20090520

Funeral.


I

Foram os sonhos
Foram as mágoas
Sempre soube que o vento
Fosse ele quem fosse
Ia levar o que sobrou daqui
Até outra morada
Até outra morada
Até outra morada

No inverno agreste
No gelo eterno dos sorrisos
Prendemos a calma
Fugiu-nos a voz e o silêncio
Para onde o horizonte ardeu
Sem sabermos como respirar
Ardiam-me os olhos
Fosse como fosse
Parou a alma

AMANHÃ TEMOS DE NOS CONCENTRAR NO FIM DAS IDEIAS
AMANHÃ TEMOS DE SALTAR PARA FORA DO CORPO
ISTO É PARA QUANDO O SANGUE JÁ PAROU DE ESCORRER
ISTO É PARA QUANDO JÁ NÃO FALAMOS E O FUMO FICA DENSO
A LUZ TORNA-SE PENA E O QUE RESTA SÃO OS OLHARES CHEIOS DE DOR
AMANHÃ TEMOS DE SER COMO SEMPRE FOMOS


II

Passaram vinte anos
Foi mais uma noite de tremor
Repeti o tremor nas mãos
Como se o meu coração fosse de ferro
Lamento tudo o que tentei
Fossem outros os meus prantos
Mas a lua é nova
E estou só
De novo

ERA UMA E MEIA DA MANHÃ
E EM FRENTE À MINHA CASA
ESTAVA UM PINHAL CHEIO DE NÉVOA
O SOL BRILHAVA


III

Tantas as vezes que me fodeste
Tantas as vezes que me fodeste
Perdão
Tantas as vezes que me fodeste
Que agora sinto-te como arrepios
A falar-me em cada poro

As minhas palavras
Rangidas por entredentes
Gritei as últimas preces
Estava cheio de frio

Vampiro
Ridículo
Ambos presos ao gelar dos nossos rituais
Escapam-se os últimos rastos da passagem
Abres os olhos
Puro

ÍCONES ESCORRIDOS E A LUA ESTAVA COBERTA PELO QUE RESTAVA DAS VELHAS TREVAS
FOI O FIM DO QUE AINDA PODIA SER UM DIA A ÚLTIMA REZA A TI PRÓPRIO


IV

Apagamos as últimas palavras da pedra
No perímetro estamos em caco
No perímetro estamos em caco
No perímetro estamos em caco
Partiram-se as palavras
E repetimos tudo de novo
Como num ritual sem respeito
Estavamos em flor nesses dias
Mas agora somos tudo e não olhamos mais
Agora somos tudo e não sabemos
No limbo
Suspiros de quem está numa jaula
Podias ter parado
Podias ter parado
Podias ter parado
Mas agora apagamos as últimas palavras da pedra
Não temos razão de queixa
Não temos razão de ser
Não te plantam uma papoila na alma
Pensam que tens tudo
Estás vazio e rodeado de névoa
Estás vazio e rodeado de névoa
Estás vazio e rodeado de névoa
Enfrentar o medo
Ridículo como estar dormente
Todas as penas que cumpri
Foram putas
Foram putas
Foram sete anos sem te saber mais perto
Parou o meu relógio
E parei de contar os passos
Que dei para chegar ao centro


V

A pele que arranquei
Ao coçar-me pelo fedor
Ócio, pena, fantasma
Sorriso nos lábios
Sorriso nos lábios

Vómito a escorrer pelo canto do lábio
Ao fugir de outra lágrima
Ao pensar que tenho sede
Tenho os ouvidos a gritar
Escaparam as frases soltas
Que já significaram qualquer merda
Que já significaram qualquer acção

Arrancaram-me a pele
Ao coçarem-me a alma
Tenho pena de mim
Sorriso permanente
Sorriso

APERTARAM A MENINA CONTRA A PAREDE
ATÉ ELA SE ESQUECER QUE ESTAVA LÁ
TIRARAM TUDO O QUE PODIAM
FOI A MAIS BONITA FOTOGRAFIA
DAQUELA FESTA SEM SORRISOS


VI

Mostra o que desenhaste
Uma casa e uma febre
Já esqueci o que querias dizer
Corta-me e vê
Pode ser que encontres a tua sorte

Mostra-me o que tens entre as pernas
Uma febre e tudo mais
Força-me a falar
Pode ser que encontres a tua sorte
Força-me a falar
Força-me a falar
Força-me a falar

O PASSADO É GLÓRIA PISADA PELO ECO
CHEGA DE CONVERSAS E ENTRETANTOS


VII

FUNERAL QUERIDO QUE TANTA SAUDADE DEIXASTE
SUPONHO QUE JÁ NÃO SAIBAS COMO O TEMPO PAROU

Os meus olhos escorreram
Vi uma luz qualquer
Nunca me vendi tanto ao divino
Respiraram-me os ventos gelados
Caí de sono e fome
Irmãos e irmãs do demónio
Somos tão felizes aqui
Somos tão felizes aqui
Somos tão felizes aqui
Acende-me o último cigarro por favor
Os meus olhos escorreram
Estou em vidro
Eu fiz tudo isto por ti
Eu fiz tudo isto por ti
Eu fiz tudo isto por ti
Eu fiz tudo isto por ti
Eu fiz tudo isto por ti
Eu fiz tudo isto por ti
Acabou

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