20090730

A menina veio ter comigo
Pediu-me para lhe pagar um gelado
Não tinha trocos no bolso
Fiquei em pânico à espera dela

A menina deu-me a mão
Pediu-me para lhe dar um beijo
Estava cheio de vergonha
Só lhe dei um terno abraço

Perdi o comboio por cinco minutos
Fiquei sentado ao pé da linha a pensar no que não lhe disse
Deitei-me no chão a olhar para o relógio suspenso
E a menina chamou por mim.

20090722

Preferi desenhar um papagaio de papel
A comprar uma grama que fosse de papel
Porque já nem sei o que fazer a tanto papel
Que gastei para dizer a todo o mundo que te amo.

Guardei o que sobrou numa garrafa
E atirei-a ao fundo do mar
Esperei um mês pela resposta
E ela voltou por tua mão

20090720

Vício


I

Acordo com uma descida
Em plano recortado
Abro os olhos para te ver em fuga
Deitada na ponta do meu cigarro
E eu
Sem ter como escapar
Abro a janela
E olho para o céu
E olho para o céu
E olho para o céu.


II

Os novos heróis
Dormem horas e horas
No leito manchado de sangue
À espera que chegue o furor da câimbra
E os horrores em escala da mentira em vidro
São todos perfeitos
Cheios de sexo
A tresandar a morte.


III

Onde está o rei?
Foi para debaixo da cama
Com medo da sua lucidez
Que lhe queima as decisões
Que lhe queima as decisões
Que lhe queima as decisões
E obriga o mundo a cair em si.

20090716

Tenho cinco grãos de sal
Pousados no meio da minha vista
Não vejo o tempo
Nem o campo
Só os traços
Apagados
Duma morgue que está vazia

Tenho vento a mais na minha lágrima

Onde estás tu?
Atrás de mim
A supor que eu já esqueci
O que
Ainda é
Eu
Eu
Eu
Sem nada
Sem perceber
Com o sal a escorrer
Pela cara
E nós?
Onde estamos?
Atrás de ti
A supor que somos qualquer coisa
Sem ti
Sem mim
Com as pernas enroscadas no lençol velho
A pensar em razões para chorar

Pedi três
Deram-me duas
E eu fui-me embora
A respirar

Tantas desculpas
Tão pouco tempo
E eu a gastar os olhos
No sal que nem aproveito
Só me doi tudo
Porque não sei o que dizer
Não sei olhar para ti

Diz outra vez

Sou a minha miséria
Tira-me daqui

E agora?
Tenho cinco grãos de sal
Caídos nas minhas mãos
Sou um turista da circulação sem paragem
Tira-me daqui
Tira-me daqui
Tira-me daqui

Estas feridas
São amargas
Só me lamento
Não tenho o que
Dizer.

Ajuda-me, por favor

Estou sem ti
E agora
Nem à minha morte acho graça.

20090705

Fecha a porta.

Estou cansado das horas que não passam devagar.
Estou cansado de ter de suportar a tua cruz.
Deixa-me fechar os olhos e perder a cabeça.

Arranhei os meus olhos quando te estava a coçar de lá para fora,
Perdido numa insuportável ressaca da vida.

Pousou um melro à janela e contou-me que tu me odeias,
Lembro-me lá eu,
Histórias.

Fecha a puta da porta.
Estou cansado.

Não me deixes aqui assim,
Pelo menos tem a decência de me comprar qualquer coisa,
Não tenho ao que me agarrar.

"Foi assim, percebe?

Não. Ainda estou vivo."